Quantos me vêem?

quinta-feira, 25 de junho de 2015

O Encanto das Coisas Únicas


Levantou-se, desligando o despertador com raiva.
Pegou numa taça, deitou cereais e leite, e mastigou ruidosamente.
Tinha o cabelo despenteado, arrastava os pés e resmungava por ter acordado.
Mal tinha os olhos abertos, ainda com uma cara sonolenta.
E mesmo assim, com estes madrugares dela, ele achava-a cada vez mais bela.

Ela era tão distraída de manhã, e isso era encantador.
Ria-se de quando ela calçava um ténis diferente do outro, a t-shirt ao contrário, e quando ela se vestia sem roupa interior.
Ele dizia-lhe "podes muito bem ir assim, eu cá gosto e agradeço", e ela atirava-lhe com os ténis diferentes que calçara enquanto ele se ria dela como um perdido.
Ela, para lhe retribuir, metia sal no café dele e ria-se à gargalhada quando ele cuspia o café todo e da cara dele de espanto. E ele ria-se com ela.



(Texto a continuar e finalizar.)

quarta-feira, 27 de maio de 2015

Rapariguinha Estúpida



Ela viu as costas dele.
A afastar-se, longe, mais longe.
Era um dia de Verão, quente e abafado. Mas ela sentia frio.
Nos ossos, na pele, em tudo. Gelo.
Queria poder gritar o nome dele, mas apenas conseguiu abrir a boca. Nenhum som.
Queria poder correr, abraçar, mexer-se, no entanto estava paralisada.
Caíram-lhe uma, duas lágrimas, e depois foi como um rio, sem parar.
Eram lágrimas frias, gelavam-lhe o rosto e o peito.
E não podia fazer nada porque a culpa era dela.

Culpou-se por tudo o que fez e o que não fez.
Pelo que disse e o que não disse.
Por ter sido covarde.
Sabia bem o que era preciso para serem felizes. Amar, cuidar, proteger.
Fez tudo ao contrário. Duvidou dela mesma, tinha medo, não arriscou e a frustração sobre ela mesma tomou conta.
Por estupidez e medo deitou tudo a perder.
E ele tinha todo o direito de ir e ser realmente feliz. Era o que ela desejava.
Lamentava-se que não seria com ela. Lamentara-se que nada antes deu certo com ela.
Lamentara-se que tudo, desde o passado até hoje, fora culpa dela.

A esperança morrera-lhe. Sabia que não voltava, que nada iria voltar.
Todos o tinham feito antes, este não lhe seria diferente, pensara.
Teve o seu momento de lamento e perda, as saudades vieram e magoaram.
E depois aceitou. Levantou-se debilmente das ruínas.
Perdi-o.

Ainda tinha viva na memória as costas dele.
A dor e saudade ainda não passara. Mas aceitava, como se carregar uma cruz fosse rotina.

E um dia, não lhe viu as costas, mas sim o rosto.