Quantos me vêem?

quarta-feira, 30 de maio de 2012

Ensaio (ou Verborreia) Textual


Escrevi este pequeno ensaio há algum tempo, e achei bom trazer um tesourinho esquecido à memória.
Dizem que a obra de arte é sempre melhor apreciada se vista de longe. Distância e tempo.

Alguém soprara o teu nome, e nesse segundo fiquei petrificada.
Sabes bem o efeito que o teu nome tem em mim.

Vi uma mulher com um rosto misericordioso.
Tal Maria com sua dor de ver Cristo seu filho crucificado.
Na verdade ela estava meditando. Mas sua meditação a pôs num modo piedoso.
Que pena...

Saí da sala e meti os headphones.
Saí cabisbaixa, mas a música transformou-me: ergui a cabeça e apeteceu-me fazer um gesto de vitória.
Yes!

Apetece-me verborrear, e ver se resulta em algum texto digno de ser exibido.
Para tal meto-me a ouvir músicas antigas.
Muito antigas.
Pronto, não tão antigas como isso.
(We all live in a yellow submarine, reconhecem?)

Sinto-me tão bem só. E eu que apelava à companhia e ao fim da solidão.
Afastei-me do que já me irritava e incomodava, sem raramente magoar.
E sinto-me estranhamente bem...

Algo me diz que tenho de aprender a pedir desculpa em vez de ir pelos rodeios.
Começo agora. Desculpem por rodear.
Aparentemente a minha forma favorita é a redonda...

Há uma estranha e triste sensação quando se acaba de ler um bom livro. É como perder o nosso melhor e precioso amigo.
Sinto o mesmo com as curtas-metragens.
E, por mais aborrecido que digam que é, adoro repetir o que outrora adorei.
Aplica-se a ambos.

Acabei de ver "Tempos Modernos" de Charlie Chaplin.
No fim amei tanto o filme que sozinha, em casa, me levantei e aplaudi de pé a um elenco brilhante que já não existia. Pena minha.
Mas foram aplausos merecidos. E que se repetem por gerações. Espero eu.

Tic.
Tac.
Tic.
Tac.
Klank, Pong. Tum.
Já disse que os relógios são irritantes assim?
E sim, destruí aquele.




quinta-feira, 24 de maio de 2012

Ele Ama-Te... Mas Morta.



Teve-a nos braços, desmaiada, corpo cadavérico.
Estava paralisado; a ideia de tê-la nos braços, daquele modo, tanto o excitava como o entristecia.
Embora ele a preferisse de outros modos...


"Ela é bela, seja de que modo for. Quero apreciá-la mais um momento..."
Pálida, quase mármore. Olheiras profundas, negras, horríveis. Cabelos pendentes do rosto e dos braços, negros, negríssimos como breu. Mãos quase frias, pálidas como o rosto, pendentes e suaves. Lábios escuros, roxos, "beijáveis" como ele pensara.


Que fraca.
Pensou que uma dose inteira a faria desmaiar, mas apenas bastara menos de metade. Que fraca.
Menos trabalho teria.
E a sua fragilidade comoveu-o. Que bela.


Ele adorava representar.
Injectou-lhe a dose, mesmo no pescoço, e aí começa o Primeiro Acto, Cena Um.


A frágil dama desmaia, e ele (não fora o culpado de tal desmaio) ampara-a.
"Acudam, acudam, que a dama está enferma! Acudam!"
Mas ninguém responde. (Melhor ainda.)
De tudo faz (pensa) para recuperar os sentidos à dama, mas nada feito.
Pensou num beijo (mas isso destruiria a fantasia.) e percebeu que não seria digno de tal acto.
"Oh deuses, se contemplá-la assim é meu destino, assim o seja"
Fim do Primeiro Acto.


Leve e lentamente ela começara a recuperar as cores.
Sabia que, fraca como ela era, dar-lhe mais uma dose poderia ser fatal.
O que não o intrigava muito.
Segundo ele, ela merecia morrer, por ser tão bela e por rejeitar o amor que ele lhe tinha.
Por outro lado queria-a viva por mais uns tempos. Se iria sofrer, que fosse às mãos dela.
Despiu-lhe as roupas e vestiu-lhe um vestido de noite.
Lavou-lhe o rosto, com carinho.
Deitou-a na cama, bem confortável.  Sim, porque os metade-mortos-metade-vivos também merecem conforto.
Sentou-se junto dela, afagando-lhe por vezes o rosto, os cabelos e as mãos. Lá ficou até ela acordar.


"O que aconteceu? O que me fizeste? Onde estou?"
"Rescuscitaste."
"Que dizes?"
Levantou-se e antes de sair porta fora disse-lhe:
"Salva-te."



terça-feira, 8 de maio de 2012

Testemunho Através de Uma Foto






Em vez de ir pelo caminho habitual, decidi passear por um jardim pelo qual sempre passava, e sempre desprezava.
Cansada da mochila que carregava às costas (e não só), sentei-me num banco de jardim.
Não foi preciso esperar muito para que tudo começasse.

Num banco à minha frente sentara-se um idoso, tão ou mesmo mais cansado que eu.
A sua cara mostrava a solidão em que vivia. Já nem havia esforço para o esconder.
Suspirou fundo, como se fosse seu possível último suspiro.
Olhou para mim, olhou por olhar.

Tempo depois, um casal jovem sentara-se junto do idoso.
O casal começara com demonstrações de afecto públicas, e o idoso suspirou de novo. Pelos seus bons velhos tempos.
Retirou-se então, ligeiramente incomodado com o casal.

Passou por mim uma senhora a passear o seu cão, e este aproximou-se de mim e ladrou.
Dei-lhe umas carícias e ele seguiu o seu caminho, todo contente.

Passou por mim uma mãe com um bebé no carrinho e uma criança de mãos dadas.
O bebé já vinha ligeiramente aborrecido, e então chorou.
A mãe sentou-se ao meu lado e de tudo tentou para que o seu bebé parasse de chorar, mas nada feito. E ela começara a desesperar.
Brinquei com o bebé, e este olhou-me feliz.
Quanto olhei para a mãe, esta estava grata.
Foi a vez dela de brincar com o seu filho, aliás, com os seus filhos.
Ela então partiu com eles, e disse-me "obrigada".

Veio um gato pousar-se ao meu lado. Era estranhamente dócil.
Dei-lhe carícias, meio distraída. Que belo gato.
O casal saíra, um rapaz com uma máquina fotográfica entrara.
Despedi-me do gato e do banco, um pouco aborrecida por ter de o fazer.

Quando a olho recordo-me daquilo que fui testemunha.
A foto acima foi-me dada pelo rapaz da máquina fotográfica.

(Mentira. Foto retirada da internet.)