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segunda-feira, 14 de novembro de 2011

A Senhora Que Aprendeu a Sorrir

Inverno.
Não chovia, o que era uma sorte. Contudo o ar estava húmido, e segundo o aspecto das nuvens poderia a qualquer momento cair sobre Lisboa uma carga de água.
Passeava, sem destino. Já cansada sentei-me num banco de jardim, e distraidamente olhei para o horizonte.
Pouco me interessava o que via, apenas dava ouvidos à música que tocava nos auriculares.
A música alegrava-me. E então sorri.
Continuei a sorrir, até uma idosa se ter sentado ao meu lado. Ignorei-a.
Notei de que desde que ela se sentara ao meu lado que não despegava os seus olhos de mim. Pelo menos assim o meu sexto sentido assim o dizia.
E o meu sexto sentido assim o confirmou.
A senhora tocara-me levemente no meu ombro, e educadamente desliguei a música.
- Minha querida, porque sorri?
- Se soubesse diria que estava a sorrir porque a música que estava a ouvir me fazia sorrir. Mas se, mesmo sem música, continuo a sorrir, então é algo que me é natural...
A senhora fitava-me. Os olhos dela brilhavam, mas sorrisos ela não tinha. Apenas um semblante triste e derrotado, por alguém que vivera muito e dessa vida apenas levara desilusões.
Comparando esta senhora com outras pessoas que por ali passavam, diria que não existe diferença nenhuma. Todas elas, no seu dia-a-dia, nos seus negócios, nos seus assuntos, no seu mundo destruído.
Os olhos da senhora brilhavam, e reconheci esse brilho como um pedido de ajuda.
Decidi arriscar.
- Perdoe-me a ousadia, minha senhora, mas porque motivo me fez tal pergunta?
- Diz-me: vês aqui alguém a sorrir?
Não, não via.
- Nos dias de hoje, minha querida, sorrir está em vias de extinção. E ver alguém sorrir nestes dias é como testemunhar o aparecimento de um extraterrestre. Não a considero um extraterrestre, mas vê-la sorrir chamou-me a atenção. E ver uma jovem a sorrir chega a ser algo estranho...
- Pois, bem sei...
Seguiu-se um breve silêncio, que quebrei.
- Porque é que a senhora não sorri?
- Oh, já dei o que tinha a dar. Perdoa-me o pessimismo, mas não sei o que faço aqui, viva. Já devia estar morta e enterrada a sete palmos de terra, mas ainda aqui estou. Sorrir, não sorrio, porque a vida já me levou o optimismo. Agora vagueio por aí, como um fantasma...
- Cruzes! Morta? Por essa ordem de ideias eu, apesar de jovem, e tendo a vida urbana e carregada que tenho, também deveria estar morta. Aliás, então todos aqui deveriam estar mortos. Minha senhora, o sorriso é de todos. Não é apenas uma causa de algo que nos proporciona bem-estar. As pessoas podem sorrir quando querem e chorar quando querem. Quem nos impede? O stress? As depressões? O mal-estar? Nada disso. Por vezes, quando estou stressada, tento sorrir. De início sai-me um esgar patético, mas se continuar a insistir, ele aparecerá cada vez mais radioso. E se me apetece chorar, choro. Chorar também alivia... Somos donos de nós próprios. Minha senhora, faça o favor de sorrir. Seja feliz. Viva! Ainda está no mundo dos vivos porque ainda tem muito que viver. E com um sorriso na bagagem e no rosto não lhe serão negadas quaisquer viagens.
- Não creio que me seja fácil...
- E existe alguma coisa que seja fácil no mundo? Ora, a senhora já viveu mais do que eu e tenho de ser eu a dar-lhe estes "sermões"? Façamos assim: eu agora tenho de ir para casa, que já são horas. Amanhã voltarei aqui, e se a senhora puder proponho-lhe que também volte. De acordo?
- Para quê?
- Para a ensinar a sorrir.
- Ora... Mas...
- Nem mas nem meio mas. Oh!, desculpe-me...
- Estás desculpada.
Ficámos minutos a olhar uma para a outra, e acabámos por sorrir. Então cresceu uma gargalhada, e vi-a feliz.
No dia a seguir, e nos dias que se seguiram a esse dia, ensinei a senhora a sorrir.
Por sua vez, essa senhora ensinou outras pessoas a sorrir.

E tu, já sorriste hoje?

1 comentário:

  1. muito bom :) fez me sorrir eheheh muitos Parabéns :) tens aqui bons textos ;) beijinho da Scorpion ;)

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