É daquelas frases que me saem do peito, e esta teve mesmo que sair.
É o título de um texto que escrevi no 10º ano para Português; o objectivo era escrever um conto, mas parece-me que fiz o contrário.
Agora publico-o aqui.
5h00. Acordou e abriu as
cortinas do quarto. Sente-se um felizardo porque por além de ter vista para o
mar, pode sempre ver o fim da noite e o início do dia. Nunca se cansa de ver a cor
violeta do céu a desvanecer-se para dar espaço a uma cor laranja que anseia por
se revelar e dar início a um novo dia. O mar confere, nesta mudança de luz,
algo místico. Fica assim, admirado, todos os dias, a ver esse jogo de luzes. É
isso que o move, que o faz ver o que a vida tem de bom. Acorda sempre a essa
hora e fica á janela. Quando o laranja domina por completo o céu, cerca das
7h30, veste-se, come o pequeno-almoço, pega na mala e sai. Entra no carro e
arranca. 8h20. Detesta apanhar restos do engarrafamento, mas tem paciência.
Chega finalmente ao escritório às 9h00.
- Ó Júlio, sábado ‘tás livre?
Precisamos de ti no bar junto às “damas”!
- Depende, Manuel, da
quantidade de trabalho que pode vir. Sabes como é…
- Eh pá, mas é que precisamos
mesmo de ti…Sabes que és o nosso amuleto da sorte e sem ti somos uns “coxos”!
- Hahahaha…Vou ver o que
posso fazer.
- Obrigado Júlio!
As “damas”. Já não bastava
aquelas com quem ele trabalhava, que andavam a fazer fila para estar com ele
por uma noite, e agora tinha os amigos para satisfazer por várias noites.
Complicado era convencê-las a estarem com os outros do que com ele. Era um
benefício e uma maldição ser bem-parecido. Em linguagem de mulheres, um
mulherengo. Mas, de todas as mulheres que já o seduziram, contando com as do
seu escritório, havia apenas uma que ele admirava, e ele nunca percebera o
porquê. Ela também o admirava, mas fora a única que não o seduziu.
- Sr. Júlio, aqui tem o
ficheiro do caso de legítima defesa que pediu.
- Obrigada Olívia.
Pegou no ficheiro e entrou na
sua divisão. Fechou a porta e reflectiu por momentos sobre Olívia. Pensou na
quantidade de vezes que comunicavam, e concluiu que era pouca, pelo menos para
o que ele sentia. Depois olhou para o caso. Mulher, 33 anos, deixa inconsciente
um homem de 38 anos que estava a tentar assaltar a mulher. Esta, para se
defender, bateu-lhe com uma pedra da calçada, causa da inconsciência do
sujeito. E é ele quem vai advogar em defesa da mulher.
Todo aquele dia girou em
torno daquele caso. Leu relatórios, viu provas, analisou tudo o que pudesse ser
a favor e contra a defesa da mulher.
Entretanto chegou sábado.
- Júlio - é hoje?
- Deixa cá
ver...Aparentemente não tenho mais que fazer... Já chamaste o Miguel e o
Carlos?
- Estão á nossa espera na
garagem!
- Então vamos.
Foram. Chegaram ao bar e
pediram as suas bebidas.
- Ó Carlos, olha-me aquela
ali do fundo... seria mesmo bom para ti!
- Cala-te lá! Aquela não é o
meu estilo! É mais para o Miguel, ele é que gosta de loiras!
- Vai dar uma volta ó Carlos!
Riram-se todos, excepto
Júlio. Ele apenas conseguia pensar na Olívia, nos seus cabelos e grandes olhos
castanhos, na sua maneira de viver a vida, na sua doce voz. Ele antigamente
adorava falar de mulheres com os amigos, mas desde o tempo em que se focou mais
em Olívia, já nenhuma mulher lhe fazia sentido. Atordoavam-no, deixavam-no
confuso, porque nenhuma se comparava à beleza e graciosidade que Olívia
possuía. Pensou em sair dali, voltar ao escritório, encontrar Olívia e
dizer-lhe o que sentia. Ninguém o iria impedir de fazê-lo. Receava a reacção
dos amigos, mas algo falava mais forte. Para sair dali, inventou uma desculpa:
- Eh pá, esqueci-me que tenho
um caso importante para resolver...
- Bolas Júlio! E agora, como
é que nos arranjamos sem ti?
- Acredito que consigam sem
mim. Vá, até amanhã.
- Até amanhã! E ficas a
dever-nos uma bebida!
Não respondeu mais. Foi
direito ao escritório e esperou encontrá-la. Estava escuro, mas ainda havia uma
lâmpada acesa. Dirigiu-se á luz e encontrou-a.
- Que faz aqui o Sr. Júlio?
Não tinha saído com o Carlos, o Miguel e o Manuel?
-Sim, tinha, mas eu tenho
algo mais importante que estar com eles.
Seguiu-se uns minutos de
silêncio. Olívia quebrou-o
- Então, que faz aqui?
- Pára de me tratar assim.
- Assim como?
- Por senhor. Trata-me por
tu. É como eu te trato.
- Está bem. Então não fiques
aí plantado. Arrasta uma cadeira.
Arrastou uma cadeira e
sentou-se.
- O que é que fazes aqui tão
tarde?
- Ainda não respondeste á
minha pergunta.
- Que…Ah. Bem, - suspirou –
era sobre mim. Sobre ti. Bom, sobre nós.
- O que tem?
- Desde que cá trabalhas que
te tenho visto. Reparo em ti, no que tu és.
- E?
- E o que me parece é que...
bom, pode soar como uma idiotice da minha parte, mas...acho que desde a
primeira vez que te vi, fiquei apaixonado. Por ti.
Seguiu-se outro grande
silêncio.
- Sim, é de facto uma
idiotice. Esquece o que disse. Devo ter bebido de mais.
- Não.
- O quê?
- Não vás.
- Mas...
- Senta-te. Por favor.
Sentou-se.
- Desde que trabalho aqui que
reparo em ti e nas outras mulheres que cá trabalham. Notei que és o típico
homem mulherengo, aquele que está constantemente rodeado de mulheres.
Honestamente, eu não as percebo. Sou mulher, mas não compreendo como é que elas
fazem fila para estar com homens que lhes dão a visão de um Paraíso mas
deixam-nas no Inferno. Nunca percebi qual é o gosto de sofrer assim. Mas tu
tens algo de diferente.
- Sim, eu sei.
Olívia sorriu.
- Aliás, nem tu respondeste á
minha pergunta.
- Pois. Ainda cá estou a
organizar as minhas coisas e a preparar o dia de amanhã, a distribuir os casos
às mesas de cada um, e por aí diante. Saio daqui a 15 minutos, basta distribuir
mais uns casos.
- Está bem.
Ele observou-a. Amava-a como
nunca amara nenhuma outra mulher. Poderia ser mulherengo, e concordara com o
que ela disse, mas o que o distinguia de outros mulherengos é que ele tinha
coração, e Olívia sabia disso. Ela voltou, ainda com alguns casos na mão, e ele
não se conseguiu conter mais. Beijou-a como nunca o fez.
Foram ambos para casa dele e
passaram a noite juntos.
Sem comentários:
Enviar um comentário