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quinta-feira, 29 de setembro de 2011

Advogados Racionalmente Emotivos

Admito-o: o título é parvo.
É daquelas frases que me saem do peito, e esta teve mesmo que sair.
É o título de um texto que escrevi no 10º ano para Português; o objectivo era escrever um conto, mas parece-me que fiz o contrário.
Agora publico-o aqui.



5h00. Acordou e abriu as cortinas do quarto. Sente-se um felizardo porque por além de ter vista para o mar, pode sempre ver o fim da noite e o início do dia. Nunca se cansa de ver a cor violeta do céu a desvanecer-se para dar espaço a uma cor laranja que anseia por se revelar e dar início a um novo dia. O mar confere, nesta mudança de luz, algo místico. Fica assim, admirado, todos os dias, a ver esse jogo de luzes. É isso que o move, que o faz ver o que a vida tem de bom. Acorda sempre a essa hora e fica á janela. Quando o laranja domina por completo o céu, cerca das 7h30, veste-se, come o pequeno-almoço, pega na mala e sai. Entra no carro e arranca. 8h20. Detesta apanhar restos do engarrafamento, mas tem paciência. Chega finalmente ao escritório às 9h00.
- Ó Júlio, sábado ‘tás livre? Precisamos de ti no bar junto às “damas”!
- Depende, Manuel, da quantidade de trabalho que pode vir. Sabes como é…
- Eh pá, mas é que precisamos mesmo de ti…Sabes que és o nosso amuleto da sorte e sem ti somos uns “coxos”!
- Hahahaha…Vou ver o que posso fazer.
- Obrigado Júlio!
As “damas”. Já não bastava aquelas com quem ele trabalhava, que andavam a fazer fila para estar com ele por uma noite, e agora tinha os amigos para satisfazer por várias noites. Complicado era convencê-las a estarem com os outros do que com ele. Era um benefício e uma maldição ser bem-parecido. Em linguagem de mulheres, um mulherengo. Mas, de todas as mulheres que já o seduziram, contando com as do seu escritório, havia apenas uma que ele admirava, e ele nunca percebera o porquê. Ela também o admirava, mas fora a única que não o seduziu.
- Sr. Júlio, aqui tem o ficheiro do caso de legítima defesa que pediu.
- Obrigada Olívia.
Pegou no ficheiro e entrou na sua divisão. Fechou a porta e reflectiu por momentos sobre Olívia. Pensou na quantidade de vezes que comunicavam, e concluiu que era pouca, pelo menos para o que ele sentia. Depois olhou para o caso. Mulher, 33 anos, deixa inconsciente um homem de 38 anos que estava a tentar assaltar a mulher. Esta, para se defender, bateu-lhe com uma pedra da calçada, causa da inconsciência do sujeito. E é ele quem vai advogar em defesa da mulher.
Todo aquele dia girou em torno daquele caso. Leu relatórios, viu provas, analisou tudo o que pudesse ser a favor e contra a defesa da mulher.
Entretanto chegou sábado.
- Júlio - é hoje?
- Deixa cá ver...Aparentemente não tenho mais que fazer... Já chamaste o Miguel e o Carlos?
- Estão á nossa espera na garagem!
- Então vamos.
Foram. Chegaram ao bar e pediram as suas bebidas.
- Ó Carlos, olha-me aquela ali do fundo... seria mesmo bom para ti!
- Cala-te lá! Aquela não é o meu estilo! É mais para o Miguel, ele é que gosta de loiras!
- Vai dar uma volta ó Carlos!
Riram-se todos, excepto Júlio. Ele apenas conseguia pensar na Olívia, nos seus cabelos e grandes olhos castanhos, na sua maneira de viver a vida, na sua doce voz. Ele antigamente adorava falar de mulheres com os amigos, mas desde o tempo em que se focou mais em Olívia, já nenhuma mulher lhe fazia sentido. Atordoavam-no, deixavam-no confuso, porque nenhuma se comparava à beleza e graciosidade que Olívia possuía. Pensou em sair dali, voltar ao escritório, encontrar Olívia e dizer-lhe o que sentia. Ninguém o iria impedir de fazê-lo. Receava a reacção dos amigos, mas algo falava mais forte. Para sair dali, inventou uma desculpa:
- Eh pá, esqueci-me que tenho um caso importante para resolver...
- Bolas Júlio! E agora, como é que nos arranjamos sem ti?
- Acredito que consigam sem mim. Vá, até amanhã.
- Até amanhã! E ficas a dever-nos uma bebida!
Não respondeu mais. Foi direito ao escritório e esperou encontrá-la. Estava escuro, mas ainda havia uma lâmpada acesa. Dirigiu-se á luz e encontrou-a.
- Que faz aqui o Sr. Júlio? Não tinha saído com o Carlos, o Miguel e o Manuel?
-Sim, tinha, mas eu tenho algo mais importante que estar com eles.
Seguiu-se uns minutos de silêncio. Olívia quebrou-o
- Então, que faz aqui?
- Pára de me tratar assim.
- Assim como?
- Por senhor. Trata-me por tu. É como eu te trato.
- Está bem. Então não fiques aí plantado. Arrasta uma cadeira.
Arrastou uma cadeira e sentou-se.
- O que é que fazes aqui tão tarde?
- Ainda não respondeste á minha pergunta.
- Que…Ah. Bem, - suspirou – era sobre mim. Sobre ti. Bom, sobre nós.
- O que tem?
- Desde que cá trabalhas que te tenho visto. Reparo em ti, no que tu és.
- E?
- E o que me parece é que... bom, pode soar como uma idiotice da minha parte, mas...acho que desde a primeira vez que te vi, fiquei apaixonado. Por ti.
Seguiu-se outro grande silêncio.
- Sim, é de facto uma idiotice. Esquece o que disse. Devo ter bebido de mais.
- Não.
- O quê?
- Não vás.
- Mas...
- Senta-te. Por favor.
Sentou-se.
- Desde que trabalho aqui que reparo em ti e nas outras mulheres que cá trabalham. Notei que és o típico homem mulherengo, aquele que está constantemente rodeado de mulheres. Honestamente, eu não as percebo. Sou mulher, mas não compreendo como é que elas fazem fila para estar com homens que lhes dão a visão de um Paraíso mas deixam-nas no Inferno. Nunca percebi qual é o gosto de sofrer assim. Mas tu tens algo de diferente.
- Sim, eu sei.
Olívia sorriu.
- Aliás, nem tu respondeste á minha pergunta.
- Pois. Ainda cá estou a organizar as minhas coisas e a preparar o dia de amanhã, a distribuir os casos às mesas de cada um, e por aí diante. Saio daqui a 15 minutos, basta distribuir mais uns casos.
- Está bem.
Ele observou-a. Amava-a como nunca amara nenhuma outra mulher. Poderia ser mulherengo, e concordara com o que ela disse, mas o que o distinguia de outros mulherengos é que ele tinha coração, e Olívia sabia disso. Ela voltou, ainda com alguns casos na mão, e ele não se conseguiu conter mais. Beijou-a como nunca o fez.
Foram ambos para casa dele e passaram a noite juntos.

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