Quantos me vêem?

sábado, 17 de março de 2012

Tudo Se Resume a Uma Chamada

Meia-noite. O telefone toca.
Levantei-me da cama meio adormecida. Ao terceiro toque atendi.
- Estou?
- Boa noite.
- Quem fala?
Desligaram. Encolhi os ombros e fui deitar-me.

Duas noites a seguir, á meia-noite, o telefone voltou a tocar.
- Estou?
- Boa noite. Creio já ter telefonado para este número.
- Há dois dias atrás?
- Noites, para ser mais preciso.
- Ah...
- Lamento a minha falta de educação ao ter desligado.
- Eu mal o conheço...
- A boa educação não conhece pessoas.
- Ahm...
Seguiu-se uma longa pausa.
- Não se enganou no número? É que eu não o conheço...
- Não me enganei. E nem mesmo eu a conheço.
- Então porque me ligou?
- Todas as noites pego na lista telefônica e escolho um número.
- E porque o faz?
- Gosto de ouvir as experiências de vida que as pessoas levam.
- E espera que eu conte a minha vida a um desconhecido?
- E porque não? Todas as pessoas em nosso redor são desconhecidos, até mesmo aqueles que nos acompanham.
- Não vou alinhar nesta brincadeira. Boa noite.
Desliguei. Senti-me algo perturbada, não soube ao certo porquê. Deitei-me mas custou algum tempo até conseguir adormecer.

Na noite a seguir, o telefone voltou a tocar. Não atendi, e 15 minutos depois voltou a tocar.
Atendi.
- Eu desculpo-a.
- Não preciso do seu perdão. Ouça, é a única vez que lhe digo, se me volta a telefonar chamo a polícia.
- Eu ofendi-a? Ameacei-a? Fiz algo de mal para consigo?
- Não...
- Se o fiz, peço desculpa, e tem a minha palavra que não voltarei a telefonar. Sei que não me conhece,  mas nunca é tarde demais para me conhecer.
- E que interesse terei nisso?
- Sem me querer gabar, creio que poderá conhecer alguém que gosta da vida e dos mistérios que esta traz. Gosto das pessoas, e da vida, miserável ou não, que cada um de nós tem. Falo com mendigos, estrangeiros, enfim, com todas as pessoas.
- E acha que assim do nada poderei confiar em si para lhe contar a minha vida?
- Não a forço a conhecer-me. Não a forço a nada. Se quiser, desligue e prossiga com o seu dia-a-dia.
Suspirei, ainda com o telefone ao ouvido.


Escrevi o texto acima em 2011.
E está inacabado.
Como desafio, irei acabá-lo. Apesar de não saber como.


O estranho continuou.
- Aliás, não preciso que me conte a sua vida detalhadamente. Conte-me sim aventuras que passou com amigos, não preciso de saber quem são. Se quiser, eu começo.
- E se eu não quiser contar as minhas aventuras? Sabe que a escolha é minha...
- Sim, sei. Pode até mentir-me, desde que minta bem. Contar-lhe-ei uma das minhas aventuras, e se quiser conta uma das suas, ou desligue e eu não mais telefonarei.
Achei interessante, apesar do certo perigo. E disse:
- Tudo bem, comece.
- Tive uma altura da minha vida em que era muito fechado. Sempre fui sociável, mas naquela altura, fechei-me. Os meus amigos da altura preocupavam-se; levavam-me a psicólogos, terapias e tudo o mais. Tentavam-me fazer conhecer raparigas, sair à noite e até mesmo embebedar-me. Mas a tudo isso resisti. Acabei por afastar os meus amigos. O que com eu mais era chegado ficou de rastos. E numa noite, perdi-o.
Apenas me contaram na manhã seguinte. Ele estava a conduzir, e pensa-se que estava sobre efeito de drogas e álcool. Estava com uma amiga um outro amigo, mas estes sobreviveram. Ele não.
- Lamento. - disse.
- Acredito que lamente. Aqui, fechei-me ainda mais. Não saia de casa, quase que não comia ou falava. Antes de empacotarem as coisas dele e de venderem a casa, arrastei-me para lá, para ver que ele existiu. O que lhe era privado, não vi. Mas encontrei um papel com o meu nome. Desdobrei-o e ele tinha escrito o que sentia com o meu afastamento. No fim, dizia: "Se estás a ler isto, ou é porque ta darei quando recuperares, ou é porque estou morto." Estremeci. E continua: "Se ta dei, espero poder ver-te com um sorriso parvo e que digas no teu bom modo 'Eu era um parvo nesta altura!'. Se morri, espero que não fiques mal a ponto de também morreres. Ainda tens muito que viver. Quero, como último desejo (isto é, se tiver morto), que sorrias mais uma vez e te ergas. Fá-lo por mim. Fá-lo por ti!. Adoro-te amigo."
- Ohh...Deuses.
- Foi aqui que percebi que não só o ser humano tem uma essência, como cada ser humano tem a sua própria essência que o distingue do outro. E mesmo que esse ser humano morra, a essência continua a pairar, nos amigos, na família, nas coisas que ele marcou enquanto vivo.
- É por isso que liga a desconhecidos?
- Se quiser uma melhor justificação, é esta a ideal. É a sua vez?
- Não me recordo de algo que tenha vivido neste momento. Mas pode telefonar amanhã. E obrigada.
- Obrigada? Oh, não agradeça. Descanse, e boa noite.
- Boa noite.
Desliguei.

A continuação estará para vir.
Isto é, se a conseguir acabar.



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