Quantos me vêem?

segunda-feira, 30 de abril de 2012

O Mundo É Estranhamente Pequeno

Tive de reiniciar, e não ouvi o que disseste antes.
Foi aquela pequena e inocente palavrinha, aquele nome.
E aí reiniciei tudo, a minha memória voltou num flash aos ínfimos detalhes daqueles belos dias.
Ela tinha mesmo que mencionar aquele nome? Não podia ter ficado calada!?
Ahh, eu que estava tão bem na ignorância de esquecer tudo...
Peguei nos livros, folhas, lápis e canetas, despedindo-me dela com um rápido aceno e um "adeus" seco.
Enquanto tentava arrumar tudo, cheguei ás profundezas da minha fraqueza, e tentei conter algumas lágrimas.
Mas parei num corredor vazio, atirei tudo ao chão e elas correram livremente.


Ela não podia ter falado verdade.
Ele não poderia ter regressado. Não, era impossível, ele próprio o prometera.
"Ah, o Paulo pediu-me para te dizer que voltou aqui."
Cala-te! Que mentirosa cruel, ele não regressa!


Já no chão, arrumei melhor as minhas coisas, limpei a face e continuei a andar.
Fui para o emprego, no café. Felizmente também lá trabalha a minha amiga.
"Que cara, hem? Vai, marcha para a casa de banho e recompõe-te, eu dou uma desculpa ao patrão."
Acenei-lhe, agradecida, e fui. Voltei, vesti o avental e comecei a servir as mesas.
Uns minutos depois, ela diz-me
"Há ali um cliente na mesa 4 que diz que só é atendido por ti. Receio ser quem pensas."
Mas eu não estava a pensar em ninguém.
Desde que chorara que a minha mente entrara em branco. E porque raio teria a minha amiga de me relembrar?
Agora estava mais receosa.
Peguei no pedido e levei-lho. Era ele.
Oh deuses, acudam.


"Aqui tem. Deseja algo mais?"
Que raio. Não se faz esta pergunta.
"Sim. Desejo que te sentes."
O chão fugiu-me e o coração caiu-me aos pés.
Sentei-me, e balbuciei
"N-não devias estar aqui."
"Mas estou. E arrependido."
"Ora!"
"Sabes tão bem quanto eu que há momentos em que percebemos que não podemos mais empatar. Tive que regressar, para te pedir mais uma vez perdão e ver-te de novo."
"Diz o gajo que me traiu com a minha prima, e logo aquela que sempre me odiou, alegando depois que foi tudo um acidente, que não a assassinaste atirando-a com o carro pela colina abaixo. Por um lado, foi um alívio, eu odiava aquela gaja. Mas, por outro, partiste-me as esperanças e o coração como ninguém. Cruel. Vil. És horrível. Vai-te embora."
Levantei-me e ainda o ouvi a gritar o meu nome.


Depois do café regressei a casa.
Estava escura, sem luz. Acendi um candeeiro, o mais próximo, e em seguida a luz da sala.
Não morri com um ataque cardíaco por pura sorte.
"O que raio fazes em minha casa!? Fora ou chamo a polícia!"
"Não és capaz."
Não era.
"C-como entraste!? Fora!"
"Bastou meia hora de foda com a tua amiga."
Fiquei perplexa.
"Calma, estava a brincar. Não me esqueci da chave bem escondida dentro do tapete."
Levantou-se e caminhou vagarosamente na minha direcção.
Nada pude ou quis fazer. Fiquei quieta e fria como pedra, e deixei-o aproximar até ficar a meros centímetros de mim.
"Bem sabes que a tua prima se suicidou, ela era uma rapariga depressiva. Tentei salvá-la, e como vi que não conseguia atirei-me do carro antes deste descer a colina. Foi um desperdício de mulher, ela era uma brasa, tanto aqui como num quarto."
Fiquei envergonhada, e ele continuou.
"E tu sabes esta história decore, durante anos que a sabes, tal como eu. E também sabes que eu sempre te amei"
"Mentiroso."
"Nadinha. Sempre te amei, mas tenho de admitir que a tua prima, bolas! Que pedaço."
"Fora. Daqui. Já."
"Não. Não acabei. Quebrei a minha promessa, e tu bem sabes que eu já me cansara da tua paranóia da altura. Mas se houve algo que me fez voltar, foi a vontade irremediável de te querer de novo. E como irremediável que é, não te livrarás de mim tão cedo."
Irremediável mulherengo. Não, mantém-te integra e firme, não é não.
Ele meteu as mãos na parede, encurralando-me.
Beijou-me. Quando acabou, cuspi-lhe na cara.
"Não!", gritei.
"Bem sabes que sim..."
Limpou o cuspo, agarrou-me com força, e não quis resistir mais.
Uma hora depois já estávamos a arfar debaixo de lençóis num quarto.
"Merda, como é que cheguei tão baixo?", pensei.


Quando acordei de manhã, ele não se encontrava ao meu lado. Nem em casa.
Tanto me senti aliviada como triste.
Ele fora-se embora, não está mais ao meu lado, e poderia de novo retomar a minha posição firme.
E houve um resquício de algo, sentido, que já lá não estava porque ele já lá não estava.
Que tristeza...




Este texto sofreu está livre de cortes e recortes. E não será reeditado.


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